O Observatório para a Coesão Social e Justiça (OCSJ) apresentou uma queixa-crime contra o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e o comandante da Polícia Nacional de Angola, Paulo de Almeida, por considerar as suas declarações uma “apologia ao crime”, após os acontecimentos de Cafunfo.
A participação, que deu entrada na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), no dia 8 de Fevereiro, faz referência ao “acontecimento trágico” de 30 de Janeiro, em que se registou a morte de um número indeterminado de pessoas num alegado acto de rebelião na vila de Cafunfo (Lunda Norte).
“O que inquieta são as repercussões negativas que se sucederam, com violação dos direitos fundamentais e humanos, assim como torturas e prisões arbitrárias e formalmente ilegais, ao ponto de existirem execuções sumárias”, aponta o documento.
Segundo a versão da polícia, seis pessoas morreram nesse dia quando um grupo de cidadãos ligadas ao Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe (MPLT) protagonizaram um acto de rebelião e tentaram invadir uma esquadra, informações contrariadas por testemunhos locais, pelo MPLT e pela oposição angolana, pela Igreja Católica e pela sociedade não afecta ao MPLA, que estimam mais de 20 mortes numa tentativa de manifestação pacífica.
O OCSJ critica os alvos da participação (o ministro, Eugénio Laborinho, e o comandante, Paulo de Almeida) por terem provocado “uma verdadeira crispação” e fomentarem um clima de perseguição, instabilidade emocional e desconfiança, em vez de apelarem à calma.
Nos dias que se seguiram ao incidente, o comandante Paulo de Almeida afirmou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras (…) vão ter uma resposta pronta, eficiente e desproporcional” da polícia.
Quanto a Eugénio Laborinho, avisou que o Governo não iria dialogar com “esta gente” que “está no caminho errado” e cujos interesses são “o garimpo, onde os estrangeiros dominam e comandam os angolanos que ali vivem”.
Para a organização defensora dos direitos humanos, verifica-se “um apelo à intolerância, violência, ódio e xenofobia, alimentando este acto de preâmbulo de futuros distúrbios, perseguições, agressões e assaltos a estrangeiros”.
O OCSJ considera que este posicionamento de altas figuras políticas do governo angolano “é inaceitável” e alimenta um clima de violência e caça ao homem, além de violar vários artigos da Constituição da República angolana.
“Estes actos são considerados pela doutrina e a lei como apologia ao crime, constitui também provocação ao crime, na medida em que alimentam pressupostos que poderão justificar novas repressões, violações de direitos e eventuais execuções sumárias”, lê-se no documento.
O Observatório salienta que nenhum alto dignitário ou mandatário de qualquer órgão pode “instigar as populações, a sociedade ou as forças de defesa e segurança a desrespeitarem a lei ou a agir à margem desta”.
Acrescenta ainda que estes discursos “vulgarizaram e permitiram que actos bárbaros fossem tidos como normais e cometidos ao ponto de se ceifar mais vidas após as ocorrências do 30 de Janeiro”, devendo estas condutas ser responsabilizadas para evitar a “crescente impunidade” e “excessos” cometidos pelos efectivos das forças da ordem e segurança.
O documento é assinado por sete advogados do OCSJ, entre os quais Zola Bambi, que interpôs uma acção contra o Estado angolano devido à morte do jovem Inocêncio de Matos durante uma manifestação em Luanda, e que preside ao Observatório.
Recorde-se, entretanto, que o coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), Sérgio Calundungo, afirmou que as autoridades angolanas não parecem interessadas em investigar os incidentes em Cafunfo e defendeu que o Presidente angolano se deve pronunciar sobre o caso.
“Não parecem interessadas” é uma forma eufemística de falar do assunto quando, de facto, até dentro do MPLA se diz que as autoridades não estão interessadas em… mostrar que as ordens superiores foram para matar primeiro e interrogar depois.
Em declarações à Lusa sobre os acontecimentos de final de Janeiro na vila mineira da Lunda Norte, em que várias pessoas morreram e ficaram feridas, o também analista político defende uma investigação independente.
“Há uma prática continuada de não fazer recurso a investigação independente quando esses casos acontecem”, afirmou, lembrando que não é a primeira vez que incidentes envolvendo polícia e cidadãos ocorrem em Angola. São, aliás, uma forma de dar corpo à tese do governo (que é do MPLA há 45 anos) de que até prova em contrário todos são, somos, culpados.
Sérgio Calundungo defende o recurso à Procuradoria-Geral da República, ao ministro da Justiça e Direitos Humanos e à própria Assembleia Nacional – entidades com um nível de equidistância suficientes e que poderiam contar com o apoio de organizações da sociedade civil “que têm experiência na investigação deste tipo de casos”.
Desde quando a PGR (nomeada e escolhida pelo MPLA), o ministro da Justiça e Direitos Humanos (escolhido e nomeado pelo MPLA) e a Assembleia da Nacional (desde sempre órgão dominado pelo MPLA e caixa de ressonância do MPLA) são “entidades com um nível de equidistância suficientes”?
Folha 8 com Lusa